segunda-feira, 25 de maio de 2009

O Imaginário Coletivo brasileiro e Nossa Senhora Aparecida



A formação da nação brasileira é tema de inúmeras pesquisas, dentro e fora de nosso país. Muitos trabalhos foram feitos, tratando principalmente sobre antropologia e sociologia. Estes trabalhos vão desde a publicação de Raízes do Brasil, pelo grande historiador Sérgio Buarque de Holanda até debates sobre a herança genética européia e africana, que dá certa peculiaridade ao povo brasileiro. Porém, assunto pouco tocado é o papel da religião na formação do imaginário brasileiro.

Se regressarmos até meados do século XVIII, podemos perceber muitos movimentos sociais latino-americanos, pertinentes ao interesse do povo, ou uma parte deles, de se libertarem da colonização européia, instalada desde finais do século XV. No Brasil não foi diferente. Tais movimentos dão origem á teorias locais sobre a “nacionalidade”, ou seja, a identidade do povo em questão (“o que é ser um mexicano, um argentino, ou um brasileiro, afinal?”). Sabemos que, no imaginário brasileiro, temos como marco histórico da independência brasileira no século XIX, a proclamação de D. Pedro I e seu famoso “Independência ou Morte”, o que igualmente traz a errônea idéia de que a nação brasileira começou a se formar a partir deste momento. Porém, se observarmos a América Latina como um todo, podemos perceber um movimento peculiar centralizado na classe mais baixa destes povos, o que podemos chamar de “cultos marianos”. Tomando como exemplo a aparição da Virgem Maria para a Juan Diego, um índio nativo da região do México, no século XVI, temos o início do culto á Nossa Senhora de Guadalupe, ou a Virgem de Guadalupe, nome dado a esta imagem da Virgem. Pelos relatos, uma "Senhora do Céu" apareceu a Juan Diego, identificou-se como a mãe do verdadeiro Deus, fez crescer flores numa colina semi-desértica em pleno inverno, as quais Juan Diego devia levar ao bispo, que exigira alguma prova de que efetivamente a Virgem havia aparecido. Juan foi instruído por ela a dizer ao Bispo que construísse um templo no lugar, e deixou sua própria imagem impressa milagrosamente em seu tilma, em um tecido supostamente de pouca qualidade (feito a partir do cacto), que deveria se deteriorar em 20 anos, mas que não mostra sinais de deterioração até ao presente. Seu culto como padroeira local inicia-se em 1737.

Este exemplo é apenas um de outros que se tornaram bem comuns na América Latina. Se no México nós temos a Nossa Senhora de Guadalupe, na Argentina temos Nossa Senhora de Luján, padroeira do país, tal como do Uruguai e Paraguai, da qual teve seu culto iniciado também no século XVIII, mais precisamente em 1755. Porém, o ponto que nos interessa é no nosso próprio país, como o culto á Nossa Senhora Aparecida, iniciando-se em 1734 com a construção da primeira capela dedicada a santa.

Sua história tem início em 1717. Desejando obter a melhor pescaria que pudessem, os pescadores Domingos Garcia, Filipe Pedroso e João Alves lançaram as suas redes no rio Paraíba do Sul. Depois de muitas tentativas infrutíferas, descendo o curso do rio chegaram a Porto Itaguaçu, em 12 de outubro. Já sem esperança, João Alves lançou a sua rede nas águas e apanhou o corpo de uma imagem de Nossa Senhora da Conceição sem a cabeça. Em nova tentativa apanhou a cabeça da imagem. Envolveram o achado em um lenço. Daí em diante, os peixes chegaram em abundância para os três pescadores. O culto á Nossa Senhora Aparecida é tão importante para a população, que se chegou ao ponto de ser criada uma igreja para os devotos, que aumentavam significadamente ao longo do tempo. Devido a isso, após reformas e construção de uma nova basílica, foi fundada uma cidade inteiramente dedicada á santa. Aparecida do Norte é um município do estado de São Paulo, na microrregião de Guaratinguetá. É também um dos 29 municípios paulistas considerados “estâncias turísticas” pelo Estado de São Paulo, mostrando que o culto á Virgem Aparecida foi difundida por todo o território brasileiro, e até no exterior. Tal status garante a esses municípios uma verba maior por parte do Estado para a promoção do turismo regional.

Entretanto, o que chama a atenção é um dos fatores que faz com que Nossa Senhora Aparecida seja uma das santas mais peculiares do mundo é exatamente a sua imagem: é uma santa mulata. Assim como o culto amriano de Guadalupe, Aparecida pode ser considerada a própria encarnação da imagem do brasileiro. Ela mostra, tal como seu povo, a vasta miscigenação racial e principalmente a enorme variedade cultural presente no Brasil, até os dias de hoje. Aqui, influência de três povos distintos: 1) Influências dos portugueses colonizadores em sua devoção á Nossa Senhora da Conceição, padroeira de reinos e senhorios portugueses (colônias) e representando o mundo triunfal do catolicismo no Brasil (com início de veneração em Minas Gerais); 2) Influências de negros africanos, vindos para o Brasil como escravos e devotos de Nossa Senhora do Rosário, presente nas caravelas negreiras e introduzida pelos missionários dominicanos na áfrica, por volta de 1570, no atual Congo, tal como a crença original africana dos orixás, de certos grupos tribais ; e 3) Influências dos nativos brasileiros e seus elementos folclóricos, como a Mãe D’água, ou Iara, a deusa das águas na crença indígena brasileira. Enfim, tento mostrar aqui que grande parte da contribuição para a formação cultural brasileira vem exatamente desta fusão no campo religioso, ou seja, o fetichismo e elementos animistas indígenas e negros com a crença católica dos portugueses.

por Fernando Tetsuo.