quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Religiosidade Mínima, Matrizes e Pentecostalismo no Brasil

André Droogers, em seu texto “A Religiosidade Mínima Brasileira”, publicado no periódico “Religião e Sociedade”, utiliza um conceito chamado por ele de “RMB”, ou a religiosidade mínima brasileira. Segundo Droogers, a RMB se trata de um tipo de religiosidade que é manifestada publicamente principalmente em contextos seculares, “que é veiculada pelos meios de comunicação em massa, mas também pela linguagem cotidiana” . Ou seja, como é utilizada pela mídia, tenta traduzir o que muitos brasileiros pensam sobre “religião”, tornando-se um conceito “geral” para que um grande número de pessoas possa entender e se identificar com determinado aspecto, principalmente no que se considera “porta-vozes” da Religiosidade Mínima Brasileira, ou seja, personalidades do cotidiano brasileiro que voltam seus discursos para o grande público . Portanto, podemos assinalar que o conceito de religiosidade mínima brasileira de Droogers exprime um aspecto religioso presente na cultura brasileira, sendo comum ao povo em geral. Na religiosidade mínima, o conceito de Deus assume lugar predominante, junto com o conceito de Fé, sinônimo de segurança e confiança. Guiado pela discussão entre Rubem César e Pedro de Oliveira no periódico “Comunicações do ISER 5”, de 1983, sobre aspectos religiosos em contraste com a religiosidade brasileira, Droogers abre uma reflexão de onde nasce o conceito de Religiosidade Mínima Brasileira. Primeiro, analisando os argumentos de Rubem César, entende-se que ele chama de “uma grande matriz simbólica de uso comum, sobre a qual cada grupo religioso faz seu próprio recorte e combina seu repertório de crenças” , da qual pode ser traduzido em um embaralhado de peças diferentes que são usadas por cada crença religiosa brasileira de um jeito diferente, montando seus próprios fundamentos. Já Pedro de Oliveira assinala a presença de uma “religião brasileira”, já que pode haver a existência de uma “cultura brasileira”, onde todos os brasileiros a reconhecem e considerem elementos religiosos em comum .

MATRIZES RELIGIOSAS BRASILEIRAS

Partindo da idéia de que, na religiosidade mínima o conceito de Deus assume lugar predominante, junto com o conceito de Fé, sinônimo de segurança e confiança, podemos usar o conceito de “matriz”, ou constantes no pluralismo religioso presente em “Matriz e matrizes: constantes no pluralismo religioso”, de José Bittencourt Filho. Segundo o autor, no mesmo texto, existe uma matriz brasileira que é for¬mada pelas diversas culturas que aqui se encontraram com a colonização e a matriz reli¬giosa brasileira está inserida den¬tro da matriz cultural bra¬sileira . Ou seja, uma matriz religiosa seria definida como “um composto de valores religiosos e de símbolos que lhe correspondem e que ensejam uma religiosidade ampla e difusa vivenciada pela maioria dos brasileiros” . Este composto de valores está intimamente ligado ao pluralismo religioso brasileiro, que exige um grande esforço para que seja compreendido a fim de traduzir uma interação complexa de idéias e símbolos religiosos que se misturaram ao longo de nossa história, tendo como principais agentes os fatores ideológicos, políticos e por que não, econômicos para definir uma identidade coletiva. De acordo com essa idéia, José Bittencourt tenta aplicar o conceito de “matriz religiosa brasileira” no movimento pentecostal brasileiro, que se difunde principalmente sobre a população urbana e menos privilegiada. Bittencourt argumenta que, devido ao fato de o movimento pentecostal não ser uma igreja tipicamente protestante, razão pela qual teve grande difusão sobretudo nas culturas católicas , é possível a identificação de “matrizes religiosas” nestes movimentos. Chamamos a atenção aqui para o que é chamado pelo autor de “pentecostalismo autônomo”, ou seja, o pentecostalismo mais recente, que tem pouco ou nada de influências protestantes, tornando-se então movimentos dotados de certa originalidade e tipicamente urbanos. Bittencourt assinala periodicamente o surgimento do dito “pentecostalismo autônomo”, tratando-se da quarta família confessional criada a partir do “protestantismo de missão”, da qual se enquadrariam as tradições reformadas vindas diretamente das missões de evangelização promovidas pelas igrejas protestantes tradicionais dos Estados Unidos, como por exemplo a Presbiteriana, Batista, Metodista, entre outras. Portanto, além de não serem igrejas tipicamente protestantes, sofreram grande influência das culturas católicas, sobretudo do catolicismo popular, presente no Brasil desde sua colonização por parte de Portugal.

MATRIZES CATÓLICAS DO PENTECOSTALISMO

João Décio, em seu texto “Matrizes católico-popular do Pentecostalismo”, presente no mesmo livro, diz que muitas vezes, o pentecostalismo é enxergado como um fenômeno de um paradigma expansão pura e simplesmente protestante norte-americano. Por outro lado, o processo de formação que o pentecostalismo brasileiro sofreu não deixa o seu lócus real, que é a própria cultura popular. No Brasil essa cultura popular se dá na forma do Catolicismo Popular, ou seja, o tipo de religião que era mais comum e adotado na maior parte do território brasileiro, sendo uma herança da colonização portuguesa desde o século XVI. Porém, o fator que realmente solidificou a presença do pentecostalismo, principalmente nas áreas urbanas brasileiras está na “linha de ruptura”. Como afirma Passos, “(...)uma primeira ruptura relaciona as ofertas pentecostais e a cultura metropolitana: (...)novos deuses – pentecostalismo – para uma nova sociabilidade – metrópole.” Então, temos dois fatores importantes para a formação do pentecostalismo no Brasil como o conhecemos hoje: 1- O pentecostalismo é, em si, um fenômeno urbano, típico de ambientes industriais; e 2- Durante a década de 30, houve um grande fluxo migratório de famílias rurais para os ambientes urbanos, possibilitado pela reforma política contida no Estado Novo de Getúlio Vargas. Podemos apontar, superficialmente, algumas continuidades do catolicismo popular no pentecostalismo. As funções miraculosas dos santos populares, presentes principalmente no ambiente rural, pode ser encontrado na evocação de Jesus nos cultos pentecostais. Com a diferença de que é dada uma exclusividade á figura de Jesus, baseada no discurso iconoclasta pentecostal, é grande as solicitações de intervenções mágicas de poderes sagrados a fim de solucionar problemas típicos da vida metropolitana. No “neopentecostalismo” podemos observar também a presença de uma centralização de poder nas mãos de certas instituições, muito semelhante ao processo que ocorre com a Igreja Católica. Tal fator é muito comum, para citar um exemplo, na Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), onde o nome e a instituição são essenciais para o reconhecimento do crente que faz parte do grupo. A nomenclatura também é observada como um “resíduo” da cultura católica, como por exemplo, bispos, apóstolos, diáconos, e outros. O uso de símbolos igualmente católicos podem ser reconhecidos claramente no auge de um culto neopentecostal, sendo estes a cruz, a água, o óleo, o fogo e rituais de bênção e purificação.

MATRIZES PROTESTANTES DO PENTECOSTALISMO

Assim como ocorre com o catolicismo, são claras também algumas matrizes protestantes no pentecostalismo brasileiro. Sabe-se que o nascimento do pentecostalismo deu-se em um ambiente protestante que começou em 1901 entre cristãos que se reuniam na rua Azusa em Los Angeles, presidida por William Joseph Seymour, um sacerdote afro-americano e simultaneamente em vários outros lugares na América do Norte. O avivamento na rua Azuza foi o primeiro avivamento pentecostal a receber atenção significativa, e muitas pessoas de todo o mundo tornou-se atraída para ele. A imprensa de Los Angeles deu muita atenção ao aviamento de Seymour, o que ajudou a alimentar o seu crescimento. Aqui surge o conceito de “pentecostes” presente nos cultos pentecostais hoje, ou seja, de que o Espírito Santo está descendo á terra durante o ápice do culto.
Paulo Barrera coloca em seu texto “Matrizes protestantes do Pentecostalismo”, como uma das matrizes protestantes, o que ele chama de “precariedade estrutural do protestantismo” . Esta seria um dos fundamentos da reforma protestante, a sola fide (somente a fé), afirmando que é exclusivamente baseado na Graça de Deus, através somente da fé daquele que crê, por causa da obra redentora do Senhor Jesus Cristo, que são perdoadas as transgressões da Lei de Deus. Podemos traduzir este conceito no princípio do “Sacerdócio Universal”. Barrera coloca este ponto como “precário” pelo fato de que se constitui em uma idéia frágil, pois as religiões necessitam de alguém, contratado ou não, para controlar os fiéis e guiar a crença dos mesmos. Sem a necessidade dos “tradutores”, certamente o culto sofreria um processo de pulverização, sem ter uma organização nem concentração fixas. Outro resíduo do protestantismo pode ser observado em outro fundamento da Reforma, a Sola scriptura (somente a Escritura), ou seja, a idéia de que a Bíblia traz a principal e verdadeira palavra da fé cristã, tendo certo grau de primazia antes á tradição delegada pela Igreja Católica. Barrera ainda coloca como resíduo protestante o “movimento de santidade” presente no metodismo americano, que circulava nos EUA durante o século XIX. A literatura evangélica ainda hoje é bem difundida entre as classes sociais mais baixas, coincidentemente as que mais freqüentam cultos pentecostais no Brasil. Barrera ainda coloca algumas literaturas evangélicas de época, como Manual do Cristão, Guia para a Santidade, A Doutrina Escritural para a Perfeição Cristã, e assim por diante, como promotoras da busca de santidade contida nos ensinamentos wesleyanos da “segunda bênção”. Finalmente, o uso de “especialistas” pode ser considerado mais um resíduo protestante na tradição pentecostal. Como “especialista” podemos entender que são personagens sociais que surgem para atender á sociedade devido ao excedente capitalista moderno, ou seja, trata-se de um personagem tipicamente moderno e necessário para que a sociedade moderna funcione. Este “especialista” tem trabalho remunerado, e faz trabalhos para a sociedade que não tem tempo de especializarem-se em certas técnicas ou assuntos devido ao trabalho e diversos outros fatores. O pastor pode ser considerado um destes “especialistas”, devido á dois fatores: 1- O princípio de “sacerdócio universal” da reforma, ou seja, qualquer pessoa tem o direito de exercer a fincão sacerdotal, basta ter fé; e 2- Hoje em dia, as pessoas dificilmente têm tempo para o sacerdócio, ou seja, apesar de poderem exercer tal função (segundo a doutrina protestante), estão demasiadamente atarefadas por causa das rotinas de trabalho. Portanto, é comum pagar um especialista para que este exerça a função desejada. Com um pastor não é diferente, pois em igrejas de tradição protestante histórica o dinheiro é tratado como um aspecto comum do culto, pois serve para a manutenção da igreja e outros assuntos internos. Enquanto no protestantismo histórico o pastor tem a função de confirmar o que a comunidade já sabe como “verdade”, ele também decodifica a linguagem presente na bíblia para que todo e qualquer um entenda a mensagem contida nela. Já no pentecostalismo, o pastor, além destas duas funções, também é responsável por conduzir um ritual de purificação expulsão de entidades malignas dos fiéis, e no neopentecostallismo observamos que o pastor também necessita de grande dom carismático, para conduzir os fieis e prender a atenção dos mesmos.

PARA UMA REFLEXÃO

Ao longo do texto apresentado vimos o conceito de Religiosidade Mínima Brasileira apresentado por Droogers e o conceito de Matriz Religiosa e as matrizes do pentecostalismo no Brasil, apresentados no livro de Passos. Porém, convém uma consideração final que ilustra qual o papel da Religiosidade Mínima no pentecostalismo após os modelos apresentados. Retornando a fala de Droogers, RMB seria, em poucas palavras, uma tentativa de traduzir o que muitos brasileiros pensam sobre “religião”. Então, por RMB podemos considerar aspectos presentes no pentecostalismo que também fazem presença em outras crenças brasileiras.
Primeiramente, o conceito de Deus é comum á todos os brasileiros. Dizer que “Deus é brasileiro” é uma forma de constatar a presença da RMB no campo social, podendo se estender ao campo político, em forma de discurso para o eleitorado; para o campo do esporte em forma de torcida pelo seu time; ou até no campo da música popular brasileira, com letras que mencionam Deus ou Jesus Cristo. Depois, considerando o uso da RMB pela mídia, claramente podemos associar com o fato de que as igrejas pentecostais, em especial a Igreja Universal do Reino de Deus, usam os meios de comunicação em massa para projetar seus ensinamentos e crenças á um número maior da população, principalmente a população mais simples que são em grande parte espectadoras de programas de rádio ou televisão. Temos também a presença de “porta-vozes”, ou “tradutores” que levam um conceito de religião de modo que todos os brasileiros reconhecem quando vêem. Pastores de Igrejas se encaixam neste perfil. Peguemos por exemplo um pastor famoso por presidir a Igreja Internacional da Graça de Deus, Romildo Ribeiro Soares. Chegando ao ponto de até ser convidado para o programa de talk show de Jô Soares, esta figura é certamente conhecida entre a maioria dos brasileiros. Para o bem ou para o mal, ele desperta diferentes sentimentos na grande maioria do povo brasileiro, porém todos os sentimentos voltados para a religião, ou seja, todos o conhecem por ser um pastor pentecostal que leva a palavra de Deus para seus fiéis, não importando como e onde ele o faz.



BIBLIOGRAFIA

DROOGERS, André. “A Religiosidade Mínima Brasileira”, in Religião e Sociedade, Rio de Janeiro: ISER, 1987.

PASSOS, João Décio (org). Movimentos do Espírito: matrizes, afinidades e territórios pentecostais, São Paulo: Paulinas, 2005.

Por Fernando Tetsuo Miyahira