quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O Santuário de Aparecida e a Congregação do Santíssimo Redentor

Até os dias de hoje, a basílica de Aparecida encontra-se sob administração da Congregação do Santíssimo Redentor, ou a Ordem dos Redentoristas. Saber da chegada da ordem na cidade de Guaratinguetá e sua administração da Basílica são importantes para identificarmos a situação em que se encontrava a Igreja no Brasil durante o século XIX.

Em entrevista á “Revista de Aparecida”, o Pe. Joseph W. Tobin deu um histórico interessante e sucinto, da qual vale a pena citar nesta pesquisa. Segundo Tobin, “(...) a Congregação teve início de modo muito humilde e frágil” . Ainda segundo Tobin, no dia 9 de novembro de 1732, Santo Afonso de Ligório e seus primeiros companheiros encontravam-se em um convento de Irmãs contemplativas, o Santuário Nossa Senhora dos Montes, na cidade italiana de Scala, quando decidiram se “comprometer a seguir Jesus Cristo Redentor do Mundo” . A cidade de Scala tinha pobreza em abundãncia, portanto, a partir daí Santo Afonso de Ligório e toda a Congregação do Santíssimo Redentor empenham-se em uma missão á serviço dos mais pobres e abandonados em todo o mundo.

Sabemos que a primeira comunidade redentorista de Aparecida chegou na cidade de Guaratinguetá em 28 de outubro de 1894. Logo de início, segundo a Polyanthéa das Festas Jubilares , os missionários redentoristas foram acomodados em duas casas geminadas de romeiros, perto do Santuário de Nossa Senhora da Conceição Aparecida.

Já segundo Brustoloni, “(...) a primeira comunidade foi fundada pelos sacerdotes Lorenço Gahr, como superior, e José Wendl, como vigário substituto do Cura e Reitor do Santuário [incumbido desta tarefa pela Diocese de São Paulo], Pe. Claro Monteiro; e ainda os irmãos leigos: Simão Veicht, Estanislau Schrafl e Rafael Messner” .

No mês de novembro do mesmo ano, o próprio Pe. Claro Monteiro encarregou a recém chegada ordem dos Redentoristas com algumas funções no Santuário, como por exemplo a recitação do terço diariamente ás 18 horas, missa dos romeiros e até atendimento aos doentes e batizados. Pouco tempo depois, no mesmo mês, acabam por assumir todo o trabalho do Santuário encarregados pelo próprio Pe. Monteiro, pois este havia “(...) ido até a cidade de Cruzeiro para atender àquela paróquia, onde grassava a epidemia da cólera, e cujo vigário fugira apavorado, abandonando suas ovelhas” .

Desde novembro de 1984 até janeiro de 1985, o Santuário de Aparecida ficou sob o comando do Pe. José Wendel. Então, neste mesmo mês, Dom Joaquim Arcoverde, então bispo de São Paulo, visita o Santuário e a comunidade Redentorista. Satisfeito com a administração do Santuário pelos Redentoristas, no dia 23 de janeiro do mesmo ano, o próprio Dom Joaquim Arcoverde indica a Ordem como encarregados pela administração do “Episcopal Santuário”. Segundo Brustoloni, “(...) mesmo sendo temporário até que outra ordem ou padre retornasse para tomar conta do Santário” .
Por fim, em junho do mesmo ano de 1895, a sede da Missão dos Redentoristas foi transferida para Aparecida, quando o Pe. Gebardo Wiggermann, seu Superior, mudou-se de Campinas de Goiás para São Paulo.

O fato de a administração do Santuário de Aparecida ter passado das mãos dos leigos para as da ordem eclesiástica Congregação do Santíssimo Redentor não foi por acaso. Sabemos que em finais do século XIX uma doutrina católica, o Ultramontanismo, chega não só ao Brasil, mas em muitas outras partes do mundo, tendo como base a Santa Sé em Roma. Na realidade, o Ultramontanismo surgiu na França na primeira metade do século XIX com a proposta de “frear” o fenômeno que vinha ocorrendo na época, de a Igreja estar se tornando departamento de um Estado.

Sobre o Ultramontanismo no Brasil, Maria Aparecida Junqueira Veiga Gaeta, professora do Departamento de História Social, Política e Econômica da UNESP – Franca escreveu um artigo bem elaborado e esclarecedor, “A Cultura Clerical e a Folia Popular” . Nele, Gaeta afirma que o Ultramontanismo chegou ao Brasil, além das idéias já forjadas na Europa, como uma “(...) condenação (...) às vivências de um catolicismo português leigo e despojado de um rigor teológico. Essas formas devocionais foram vistas então com uma forte carga de negatividade e acusadas de serem portadoras de (...) superstições (...)” . Podemos avaliar, portanto, que o Ultramontanismo foi uma tentativa do clero regular brasileiro de substituir a presente realidade religiosa por outra, uma nova e única, e não multifacetada.

Não apenas em Aparecida, mas o olhar ultramontano acabou por seguir os santuários brasileiros que mais atraíam fiéis em busca de curas e soluções simples para os problemas do dia-a-dia, forte característica do catolicismo popular brasileiro até os dias de hoje. Aparecida em especial, tornou-se um centro de devoção da qual peregrinos das mais distantes regiões do Brasil vinham para prestar homenagens, ofereciam preces e generosas doações materiais. Seugndo Gaeta, “(a) fim de que todo esse patrimônio fosse revertido em obras da Igreja, o bispo paulista D. Lino Deodato (1873-1894), um dos luminares do ultramontanismo em São Paulo, decidiu transferir para esse local [Aparecida] o Seminário Diocesano” . O intuito desta decisão estava no fato de que o clero regular havia interesse em que a administração do Santuário ficasse em cargo das ordens européias, tal como houvesse um investimento na formação de seminaristas para a diocese.

Sabemos que houve a retirada dos leigos da administração do Santuário no momento em que a Ordem proibiu esmolas, rendimentos e doações no Santuário de Aparecida durante sua administração temporária. Cinco anos antes da sede da Ordem dos Redentoristas ser transferida de Goiás para São Paulo (1890), Maria Aparecida Gaeta aponta em seu texto a ocorrência da Primeira Reunião do Episcopado Brasileiro. Durante este encontro, os bispos discutiram a questão dos centros de religiosidade popular, e duas questões principais foram levantadas: a retirada definitiva das irmandades leigas da administração financeira dos santuários brasileiros e confiá-la aos institutos religiosos europeus, coisa que havia sido feita no Santuário de Aparecida em 1895 como dito anteriormente; e confiar totalmente a sacerdotes destes institutos religiosos a direção espiritual dos santuários brasileiros, afim de torná-los “centros de verdadeira fé católica”.

Percebemos então um esforço romanizador em “purificar” o catolicismo popular do Santuário de Aparecida, até então em poder dos leigos e clérigos seculares, mostrando um verdadeiro ar aristocrático espiritual das ordens religiosas européias, mais precisamente da Congregação do santíssimo Redentor no Santuário de Aparecida. A partir de então, a cidade de Aparecida e sua basílica tornaram-se um centro de peregrinação das mais distantes regiões do país, para que fossem cumpridas promessas, preces e generosas doações agora feitas não mais aos leigos, e sim á uma ordem institucionalizada.

Bibliografia

BRUSTOLONI, Júlio J.. "História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida". São Paulo: Ed. Satuário, 2007.

GAETA, Ma. Aparecida Junqueira Veiga. “A Cultura Clerical e a Folia Popular”, in Revista Brasileira de História, vol. 17, nº 34

Polyanthéa das Festas Jubilares da coroação da Imagem milagrosa de Nossa Senhora Aparecida de 1904 – Set/1929. Arquivo da Biblioteca dos Redentoristas.

Revista de Aparecida, nº 68, Nov/2007.